domingo, 7 de dezembro de 2008

O sermão da portugalidade


Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre esgotadíssimo para ver uma banda portuguesa ainda por cima, por consagrar.

Os Deolinda, ou melhor, a Deolinda que personificam, são ou é (como preferirem), um meteorito que entrou de rompante na atmosfera musical portuguesa para não deixar ninguém indiferente. O público que os aguardava nessa noite fria de 5 de Dezembro provava isso mesmo sendo composto por gentes variadas, de todas as idades (de crianças em idade escolar a velhinhas de idade provecta e cabelo em tons rosados, devidamente aprimorado para a ocasião) e apreciadoras dos mais diversos estilos musicais, isto a julgar pelas vestes (de reggae lovers a pessoal de preto que anda nos sons da frente, de adolescentes com lenços islâmicos ao pescoço e t-shirts do Che Guevara, a muitos cotas, nos quais já me vou incluindo).

Esta Deolinda é uma paixão minha de há alguns meses a esta parte e pode-se dizer que tenho feito a minha parte em evangelizar a sua música a alguns amigos mais chegados e a amantes convictos das sonoridades lusitanas. Por esta altura já quase toda a gente os conhece da rádio, pelos menos as mais ouvidas, mas acreditem que a Deolinda esta é muito mais que isso tudo.

Assim para quem esteja mais por fora, para mim, a Deolinda é a filha bastarda e improvável que o António Variações e a Madredeus tiveram depois de uma noite louca e quente de copos no Bairro Alto, há uma vintena de anos atrás. Tive oportunidade de partilhar esta minha teoria com a banda, na simpática sessão de autógrafos que teve lugar após o concerto e foi com muito agrado que registei a sua anuência e boa disposição nesta filiação que pelos vistos, era para eles inédita mas é capaz de não andar muito longe da verdade.

A transversalidade deste fenómeno radica na qualidade e na riqueza de um projecto que vai para além da sua extraordinária criação musical e se estende à qualidade gráfica do material que produzem, aos cuidados com a estética sempre que surgem em público e que se alicerça na sua desarmante humildade e saber estar.

O disco de estreia é no meu entender, um clássico imediato e já um disco seminal da nova música portuguesa. Há muitos, muitos anos que não aparecia assim um grupo português, que canta em português, que cria as suas próprias letras e melodias, com este patamar de excelência capaz de lhe granjear um imediato reconhecimento público generalizado. Grandes textos, grandes músicas e uma capacidade única de contar histórias com muitos amores e desamores pelo meio, sempre embalados pela fina ironia.

Esta Deolinda respira portugalidade em cada poro do seu corpo e já criou o seu próprio espaço entre o fado e a música pop, afirmando-se como um excepcional híbrido, sendo ela própria um verdadeiro ícone ao recuperar o imaginário de todo um país. O galo de Barcelos, os golos do Eusébio, as sardinhadas nos becos alfacinhas, os pescadores da Nazaré, as velhinhas solitárias que passam as tardes a ver quem passa na sua rua, os torneios de sueca, os garrafões de tinto de 5 litros, as touradas à vara larga, as procissões e romarias, as tatuagens da guerra colonial, os bigodes, os decotes largos, as sestas debaixo de um chaparro, os circos ambulantes de rua, as feiras, as farturas, os foguetes, a Deolinda é tudo isso e muito mais.

Isto é uma opinião, subjectiva e discutível mas acho que desde os Humanos que não tínhamos um disco assim. Talvez desde o próprio Variações e dos Madredeus que não tínhamos que cantasse Portugal desta maneira. No que diz respeito a compositores/intérpretes, é certo que temos o Godinho, o Palma, os Xutos (embora noutra linha) e temos os internacionais exportáveis (Clãs e Fonsecas na ponta da frente) que são, Graças a Deus, cada vez mais, mas como esta Deolinda não. Havemos sempre de ter o Camané mas o Camané canta o que lhe escrevem e sem o Zé Mário Branco por trás… Por isso e muito mais, não me venham com Marisas e Anas Mouras e Kátias Guerreiros e Mafaldas Arnaults que isto é outra loiça!



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Com esta embalagem, o concerto não podia ser outra coisa que não um êxito, com a sala rendida e dois encores. Por eles, de certezinha que ainda agora lá estávamos e nem os problemas de som iniciais e a sofrível prestação do técnico de iluminação (o homem parecia que estava a dormir, por favor…) retiraram mérito ao que se seguiu depois.

Pela hora e pouco de espectáculo desfilou o primeiro disco de originais estreado em Abril deste ano e mais dois temas inéditos que prometem o melhor para o segundo trabalho que se adivinha. O cenário foi dimensionado à escala da sala de estar da casa da Deolinda onde não faltou a mesinha de pé alto com as fotos de família e uma luz de grande proporções em jeito de bola de espelhos de casa de fados. Os guitarristas e irmãos Martins e o contra-baixista Zé Pedro Leitão apresentaram-se com o habitual traje a rigor. Ana Bacalhau encantou, com a sua graça e belezas naturais, enchendo o espaço com a sua presença. Dona de uma extensão vocal ímpar que manipula com mestria (passa dos graves mais fundos aos agudos mais excelsos com uma facilidade impressionante) carrega em cada palavra a emoção do que quer dizer e assim é impossível não ficar vidrado. Diva de faca e alguidar, sempre sorrindo, sempre querendo chegar a nós, ela ginga e rodopia e leva consigo o nosso olhar e a nossa atenção, seduzindo-nos para o seu mundo e que bem que lá se está…

Para além da oportunidade de poder ter interagido com eles e ter constatado pessoalmente as excelentes pessoas que parecem ser, destaco dois momentos: o “Movimento perpétuo associativo”, tema genial, inteligente e muito forte musicalmente, que define a essência do “ser português” como poucos outros antes, a justificar plenamente a pretensão de muitos na internet de o elevarem a novo hino nacional; e o tema “Eu tenho um melro”, belíssimo, magnificamente interpretado, como uma alma e uma emoção capazes de revirarem tudo cá dentro.

Acreditem naquilo que o vosso amigo vos diz: uma nova estrela nasceu (e que brilhante que ela é!).

Que Deus lhes dê saúde porque talento… têm para dar e vender.

PS: O António ia adorar a Deolinda. Pai babado…




1 comentário:

Clarimundo Lança disse...

amigo amigo pois sim
amigo e aquele que diz que vai ver os DEOLINDA