domingo, 7 de dezembro de 2008

Sonho Sideral

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Sou um fã absoluto, rendido e indefectível dos estúdios de animação Pixar que nasceram pequeninos e independentes e são hoje, depois de 9 obras-primas, a ala mais avançada, profícua e inteligente da maior fábrica de sonhos do mundo, a Disney.

Da Pixar nasceram filmes que marcaram para a vida todos aqueles que têm a sorte de lhes terem metido a vista em cima e esse é um dom que não é para qualquer produtora. De toda a colheita, destaco os dois “Toy Story” e o sublime “Monstros e Companhia” que figuram na minha lista absoluta de filmes favoritos e não apenas no género de animação, senão ao lado de todos os outros feitos e interpretados por gente de carne e osso, por serem tão capazes, ou ainda mais, de me fazerem tão feliz.

Tive a sorte de ver o “Wall-E” em Portimão dias após a sua estreia, no Verão, na companhia do brother Joe e depois da Leonor me ter roído a corda à última da hora “por ter medo de estar fechada no cinema”. Ahhhhhhhhhh… O filme resulta monumental no grande ecrã e eu fiquei apaixonado assim que o vi. As obras da Pixar são pura filigrana e estão impregnadas de centenas de referências a outros filmes e a momentos da história que não escapam aos cinéfilos mas que fazem com que as crianças, que obviamente ainda não têm capacidade para as identificar e compreender, não sintam que perderam parte importante da narrativa por não as captarem. Esta multiplicidade de “camadas” é uma das características mais fascinantes destas obras, como se fossem uma piada brilhante que tanto faz rir as tertúlias intelectuais como os putos de bibe no Jardim-escola.

Este “Wall-E” é todo ele genial, um clássico instantâneo que nem sequer permite contestação. Cada frame é valioso, cada segundo é uma gota do mais precioso licor de que é feita a 7ª arte. As primeiras imagens da terra, seca, esquecida, desolada, asfixiada em lixo, dizem-nos mais sobre o perigo que corre o nosso planeta ao ser vítima do modo de vida displicente do mundo moderno que 10 filmes do Al Gore vistos de penálti. Bem pode ele falar…

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E depois tem este robot, este ser encantador… que tem tanto de “Star Wars” como de “E.T.”, um verdadeiro “Eduardo Mãos-de-Tesoura” sci-fi que nasceu para nos arrebatar. Sozinho, errante, cumprindo estoicamente a sua missão quando todos os outros já sucumbiram, procurando a perfeição mesmo quando sabe que não há ninguém para apreciar ou poder usufruir do seu esforço mas ainda assim capaz de amar, capaz de acreditar que é no próximo metro quadrado de lixo que tem para arrumar que vai encontrar o seu mais novo-velho tesouro, tão insignificante para todos os outros mas tão precioso e único para ele e para o contentor enferrujado a que chama lar.
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Mas nem nesta doçura se esquece este filme da sua missão primeira de ser um último alerta, sobretudo dirigido às mais novas gerações, de que ainda vamos a tempo de poder fazer quase tudo bem, desde que queiramos e possamos aprender a viver respeitando a terra. Nessa cruzada didáctica, não se coíbe “Wall-E” (e bem!) de traçar uma das mais cáusticas críticas aos humanos, cada vez mais sedentários, cada vez mais egoístas, cada vez mais dependentes das novas tecnologias, cada vez mais sozinhos e afastados dos seus próximos, cada vez mais alienados e transformados, chegando ao ponto de perder a estrutura óssea que lhes permite hoje caminhar na horizontal. Ainda faltam mais de 800 anos para lá chegarmos mas por este andar, parece-me que não vão ser necessários tantos.


Ainda assim e ainda bem, a esperança acaba por falar mais alto e apesar de todos os grandes planos e os grandes investimentos, acaba por ser uma simples planta a mudar o curso da história ao provar com a sua existência que é de novo possível respirar e logo viver no nosso planeta.

Não querendo revelar demais e adiantar a descoberta que terá de ser feita por cada espectador não posso deixar de mencionar a assombrosa sonoplastia e os magistrais efeitos de animação. O realizador Andrew Stanton conseguiu a proeza de convencer o lendário Ben Burtt, autor de sons míticos como toda a galeria da “Guerra das Estrelas” a colaborar neste projecto e este superou-se ao criar um complexo e maravilhoso universo sonoro que enche e suporta de forma inesquecível um filme que só conhece os diálogos na terceira metade. Deslumbrante! Quanto à animação, continua a ser um milagre da tecnologia perceber como a arte dos homens e as potencialidades dos computadores se unem para criarem seres que sendo artificiais, reproduzem com inacreditável exactidão, expressões e emoções tão próprias dos seres vivos. “Burn-E”, a curta de animação que acompanha a edição em dvd, consegue nos seus escassos minutos explicar tudo aquilo que por mais que se diga… só mesmo vendo é que se entende.


Por falar em dvd, fico mesmo muito agradecido à edição que ontem adquirimos com paixão e hoje visionámos agarradinhos no puff à lareira. Não tendo a espectacularidade do grande ecrã, foi aqui, no cantinho do lar e nos apenas 82 centímetros planos da nossa tv, que percebi toda a força e dimensão de uma obra única.

Façam o que fizerem, por favor, este vão ter mesmo que comprar e não me venham com cópias do chinês. Há filmes que ficam para a vida e há tesouros que têm de ser nossos.

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