quarta-feira, 11 de abril de 2012

O coelho...



Enquanto vos teclo estas palavras, ouço de fundo o agora constante barulho presente no meu bairro, ensurdecedor não por ser muito alto mas por ser constante ao longo do dia: o som de uma máquina perfuradora a trabalhar para romper a rocha e assim permitir a abertura das fundações do prédio novo que vai nascer ao fundo da minha rua. É massacrante e sobrepõe-se a tudo.


A obra tem toda a razão de ser e faz todo o sentido: trata-se de uma estrutura de apoio às crianças e jovens que necessitam de apoio mental. Já não me recordo há quanto tempo se passou a sessão de esclarecimento público que ocorreu na Junta de Freguesia, nem tão pouco se ainda era o vice-presidente da câmara, mas eu estive lá, presente entre o público e os moradores e concordei com tudo. Achei bem que se atribuísse o terreno a fundos perdidos ou a preço simbólico, achei que trazer a estrutura, vida e emprego para a terra era um motivo mais do que válido, achei tudo bem.


Agora, que a parte mais difícil (da obra) começou, tenho-me lembrado imensas vezes das palavras de uma figura icónica da minha aldeia de infância, que já não vejo há muito tempo: o “menino” Augusto Forte. O Augusto, que agora já deve ter uma idade bem avançada, marcou muita a minha infância e juventude pela sua maneira de ser e pela maneira de estar no mundo. Ficaram famosos os seus devaneios etílicos e sobretudo os seus fogosos discursos públicos que poderiam surgir em qualquer situação mas que tinham especial interesse quando eram ouvidos por muita gente e sobretudo quando a audiência era vasta como na Carreira de Cima em Castelo de Vide onde eu me recordo uma vez de o ouvir. O Augusto era tudo menos parvo. Filho do Sr. Forte, um proprietário e um agricultor abastado na minha aldeia que foi dono da enorme propriedade da Broca, creio que chegou a estudar no Colégio em Tomar, quando aquilo eram paragens apenas ao dispor de bolsas mais abastadas. Defensor da esquerda e dos seus ideais (pelo menos era isso que dava a entender por quem o ouvia), pessoa culta e bem informada, foi tendo os seus devaneios que todos nós permitíamos porque vinham de quem vinham. Num determinado momento lembro-me que o “Ponta Esquerda”, como era conhecido e nós lhe chamávamos, deixou pura e simplesmente de falar. Como decidiu, em resignação, não emitir nenhum som, passou a comunicar apenas por gestos, o que era uma enorme parvoíce para quem gostava tanto de falar e quem nós gostávamos tanto de ouvir, mas enfim, era a sua vontade e nós respeitávamo-la.


Quando penso nos discursos dele e quando ouço este enorme e irritante barulho lembro-me sempre de uma história sua que de tão engraçada e tão bem contada me ficou para sempre. Dizia ele num dos seus célebres discursos que bem podiam ter sido compilados e publicados porque eram um verdadeiro tratado: “Eu, Augusto da Mota Forte, plantei uma alface. Veio o coelho, comeu a alface. Veio o caçador, matou o coelho. Agora digam-me se eu, Augusto da Mota Forte, tenho ou não tenho direito a uma pata desse coelho?”. A pergunta ficava no ar e não havendo quem se atravesse a responder, a audiência dividia-se entre aqueles que ignoravam a questão, um ou outro que ficava a pensar e o resto eram os miúdos sorridentes entre os quais se encontrava este vosso tonto que nunca se esqueceu da mesma. A ideia do Augusto sobre o comunismo e sobre aquilo que pertencia ao bem comum é bem refletida nesta questão e não deixa dúvidas a ninguém: se o homem tinha contribuído para o coelho se tornar no animal que era, também ele teria direito a saciar a sua fome no manjar do animal. Faz sentido e de tanto que faz, cá me ficou para sempre. Até hoje!

Lembrei-me dela porque eu, enquanto morador, sou muito a favor do terreno ter sido utilizado para um fim que vale a pena, ser utilizado por pessoas e famílias que merecem mas penso que também a câmara deveria de levar em consideração aqueles que escolheram este bairro para fazer a casa das suas vidas e para criarem as suas famílias. A saber: este é um bairro residencial pequeno, muito limitado e deveriam já ir sendo pensadas algumas medidas para apoiarem a nova estrutura e utentes. A saber: em primeiro lugar, a nível de acessos, deveria já ir sendo pensada uma nova estrada direta que não obrigasse as viaturas de apoio e as famílias a entrarem por um bairro antigo (o primeiro, dos Outeiros) que não está habituado nem foi criado a pensar neste aumento de tráfego. Depois fazia falta ir sendo pensada por aqui uma zona ajardinada onde as famílias e os utentes pudessem dar os seus passeios na hora das visitas e aos fins de semana, deveria ser pensada a forma como é que o aumento de viaturas vai alterar a forma do bairro ser gerido em termos de fluxo e estacionamentos, enfim… eu penso que projetos desta envergadura que são capazes de ter repercussões em gerações de terras pequenas como é a nossa deveriam sempre de ser acompanhados por todos os moradores não apenas na sessão inicial (na qual souberam estar presentes), mas sim ao longo da obra para que pudessem dar sugestões e o feedback de quem “por estar no convento sabe o que vai lá dentro”. Enfim, o fundamental e aquilo que infelizmente não tem acontecido ao longo destes últimos tempos. Estou certo que se falassem com a responsável pela obra desta possibilidade, não iria descartar a hipótese de ouvir e ser ouvida. Havendo esta abertura dos moradores e da promotora, apenas a câmara municipal que em vez de ser a grande responsável e beneficiada pelo diálogo, pode pensar de forma contrária. Há dias estiveram por aqui para colocarem simbolicamente a primeira pedra. Para fotografias e inaugurações, todos estão presentes e dizem que sim enquanto fazem o bonito. Mas o resto, o trabalho, o importante… fica por dizer e fazer. Pena… Assim vai o nosso país!

1 comentário:

Helena Barreta disse...

Que a obra nasça, a contento de todos e que sirva os seus propósitos.

Um abraço