sexta-feira, 25 de julho de 2014

Nós fomos ao NOS (e foi Optimus) que era para o que íamos, antes de lhe mudarem o nome

Os filhos do J. R. Ewing à entrada do Dallas

Reportagem na prensa há vários dias (trabalhosa, de grande produção textual, gráfica e de pesquisa. As hiperligações garantem a leitura e ócio por muitas horas. Se calhar, é uma das maiores produções desde que tenho o blogue, há já 8 anos. O meu Ben-Hur.) mas ultimamente os acontecimentos, sempre tantos e tão fortes, foram deixando as rotativas em stand by sem mandarem nada cá para fora.

Isto não é para meter inveja a ninguém, nem para armações. Isto é amor e entrega. Vai por ti, Leonor. Para que quando leias no futuro te recordes do tempo fantástico que passamos juntos. O cota sempre foi fixe, não foi? Vai por ti.


Eu estava lá com ela na estreia, quando a levei ao Rock in Rio a ver a Hannah Montana, há meia dúzia de anos atrás (aqui), antes desta se transformar em Miley Cyrus ea Leonor a passar a detestar por andar a lamber picaretas, alfaias agrícolas e a dar barraca nos Video Music Awards cheia de coca, álcool, ou outra cena marada qualquer. Já que tinha que ir ao festival e queria tanto… que fosse comigo e em grande nível.


Então fomos os dois.






Há tempos incentivei-a a traduzir as músicas de que gostava (aqui) querendo com isto incutir-lhe que compreender a língua inglesa nos permite descobrir um universo de palavras sempre presente na música que nos envolve na rádio, na televisão, nos filmes.

Há meses, numa viagem a Idanha-a-Nova para visitar a minha avó materna (entretanto desaparecida), ouvi regalado e em silêncio como cantava every single word de um tema de uma das minhas bandas favoritas: os Arctic Monkeys (aqui). Que gostava deles, que gostava muito. Até chegar ao “que vinham cá”. Daí para me pedir para os ir ver ao Optimus Alive foi um passinho. E eu tenho de confessar para quem não imagine já que se há sacrifícios que um pai tem de fazer por uma filha, este não foi um dos que mais me custou.

Se não comprei os ingressos na net no dia em que foram postos à venda, foi no segundo ou terceiro que eu sou puta velha nestas andanças, e já bem rodado. É óbvio que tive algumas pressões internas porque faltava muito tempo, porque não sabíamos o que iria acontecer até lá (sempre aquilo do acidente…), porque não era barato… enfim. Quando soube que estava esgotadíssimo por ter conseguido reunir o melhor cartaz de sempre que o colocou de vez na grande rota dos festivais alternativos da Europa (ao lado de Glastonbury, Reading - GB; e Benicássim – SP) fiquei radiante e ao saber que a “conquista” estava feita tive de dizer a plenos pulmões chez moi: “Filha: O DIA EM QUE VAMOS ESTÁ ES – GO – TA - DO! (Areops: LOLITA!)


A miúda andava em pulgas e de cada vez que passava por mim em casa dizia-me: “faltam X dias… Weeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee…”


Mais uma foto, pai?!?!? Que bom....
É pra guardar, filha...

Era uma jornada importante em que EU próprio me iria por à prova. Ir a conduzir para Lisboa com a responsabilidade de a levar a ela, um dos elos mais preciosos que tenho nesta vida; conduzir numa cidade onde apenas aprendi a andar de autocarro e metro (o dinheiro não esticava), onde os carros e as buzinadelas (e as pancadas?) podem vir de todo o lado confiando a árdua missão de co-piloto num telefone??? (Meo Drive…); arriscar-me a entrar num festival onde o único bilhete que tinha era um código de barras da impressão de um bilhete electrónico?!?!

Conseguir dar com o estacionamento dos autocarros gratuitos para evitar engarrafamentos; conseguir descobrir o Alegro em Alfragide de onde partiam; conseguir dar com a fila (fomos dos primeiros J), conseguir fazer tudo isto apenas confiando em mim, no meu cartão multibanco e sem levar a mãe Cristina (que o tem sido sempre depois do acidente) é obra.
Antes de partir, falei comigo e disse: “Abre a pestana rapaz! Tu já passas dos 40, que porra! Tens de ser capaz!!!”

Cada quilómetro era uma meta. Cada meta conseguida era uma proeza. E um alívio.






Chegámos a Lisboa, demos com o Alegro, almoçamos com o tio Mac, apanhámos o BUS, conseguimos entrar sem nos revistarem e nos bloquearem e não é que o raio do papel deu para entrar?!?!?!? Ele há coisas… Isto já não é do meu tempo.

Como fomos dos primeiros a chegar ao festival também vieram logo umas cachopinhas muito bonitas o oferecerem um chapeuzinho branco à maneira e uma fita com o programa do festival para meter ao pescocinho! J Nice! A malta que viesse a seguir que fechasse a porta:
- “Eina man, que chapéu tão fixe… onde q’arranjaste?”
- “Sou rico.”

Fim de papo.



Pois o sol estava quentinho e ainda faltavam umas horinhas. Demos uma volta a descobrir o recinto e ela bufava, soprando baixinho.
“Filha, um festival é mesmo assim, bebé. Isto não é um concerto e tudo faz parte. Aprende a olhar à tua volta e a curtir.”


Eu olhei à volta e custou-me. Tempo de desabafo: quando eu ia a festivais, como aqui, ia sempre em grande companhia e estava sempre em vinha d’alho, se é que me faço entender. Festival é festival e a malta é jovem e é pra curtir. As diferenças começam logo aqui e eram… imensas, vá. Para já eu ia com a minha filha, com-ple-ta-men-te sóbrio. O que por si só já é um transtorno porque um gajo custa a adaptar-se a esta nova condição. Depois, olhar à volta com olhos lúcidos é muito mais acutilante, frio, lancinante. Como é que eu podia olhar, apenas olhar! (Fernanda Cristina porque a mulher é um ser tão bonito de se ver…) SE TINHAM TODAS IDADE PARA SEREM MINHAS FILHAS?!?!? Um gajo esmorece… E não pode beber uma fresquinha para atenuar é triste.


Vamos passar ao lado, filha. Estas porcarias de stands que arranjam para aqui... Falta de gosto...

Isto sim!

Ou isto. Saudades...



Não tirava de lá os olhos... a ver se via algum herói...


Falha ENORME na organização: SOMBRAS

O Mijódromo. Os homens pareciam cavalos, a mijar para a vereda.

2 destas pra Marvão!










Passaram lá à minha volta aqueles bacanos com uma lata gigante de mochila que serviam imperiais por um tubo à malta que estava abancada, aqueles que eu dantes queria era dar uma pancada para roubar o saco e só nunca o fiz porque meus amigos mo impediam.
Um gajo cheiinho de sede, com a boca a colar, desertinho de um líquido a escorregar pela goela, impossibilitado de o alcançar pelas filas… com uma ali geladinha mesmo à mão de semear…
“Tens sem álcool?”
“Epá, sem álcool não, man. Só tenho com.”
“Vai à merda!”
“Desculpe?”
“Nada.

Palerma! (entre dentes)”


O Ben Howard abriu as hostilidades. Um cantautor que me pareceu honesto, com alguns fãs a cantarem em coro lá à frente mas um gajinho fixe para curtir num barzinho. Nunca num festival. Esforçou-se mas valeu de nada. Aos primeiros acordes teria dito: “próximo!”


Os Lumineers eram muito aguardados por mim. Têm uma atitude fantástica que adoro e agora (novos tempos! J) o brilhante disco de estreia que juntou Jeremiah Fraites e o melhor amigo do irmão que a droga levou para sempre está todo aqui . Uma extraordinária forma de superar o luto que está aqui na íntegra e eu percebo assim quando vou a Portalegre porque é que a Woodstock onde emprenhei tanto do meu dinheirinho está agora fechada. E eu com caixas cheias no sótão. L


Banda folk com atitude completamente rock. Para mim, este primeiro concerto foi o segundo melhor concerto da noite antes dos Dragões Imaginados. Dois candelabros suspensos sob o palco, um piano, um violoncelo e muita garra. Momentos altos da atuação:1 - Quando o vocalista mandou desligar os telemóveis dos miúdos obcecados em captarem tudo quando as televisões o fazem muito melhor e com outro detalhe. “Put your cell phones down. You’re in a live concert. Let´s celebrate!” Que por sorte captei aqui

2 – Uma versão de stage dive que desconhecia por completo: chair dive. O gajo montou-se numa cadeira e foi deslizando sob as pessoas com a locomoção ser feita pelas mãos da audiência. Deslumbrante.


Os Elbow seguiram-se e podem ser muito bons rapazes, pode ser malta muita fixe lá do bairro mas espera aí que eu vou comprar uma bifana ou dar uma mijinha. Para mim, música que nem aquece nem arrefece. Nunca o fez. Têm músicas boas? Estão muito à frente, eu é que não estou a ver? Pois. Eu também achava que os Cocteau Twins eram “o rei vai nú com uma gaja que tinha uma voz de anjo” quando toda a gente os idolatrava. Cá para o Tio Sabi é assim: ou bate ou não bate! Se bate, quero e como e devoro. Sinto e penso e fico com aquilo.

Estava eu a falar dos Elbow? E que dizer dos Interpol senão que foram mais um erro tremendo no line up. Mas o que é aquilo? Mas quem é que no público cantou aquilo? Quem é que caiu na asneira de lhes dar dinheiro para virem cá? A malta quase se esqueceu de lhes bater palmas. “Thank You”, dizia ele. Uma trupe de gajos com ar de mafioso, todos de preto e risco ao lado, fios de prata ao pescoço por cima da camisa, sempre a mesma voz, sempre as mesmas músicas, sempre o mesmo tom. Estes gajos precisavam do mesmo tratamento do gajo da laranja mecânica do mestre Kubrik e ficarem com as pestanas sempre abertas a verem concertos dos Clash, dos Sex Pistols e dos Pogues para saberem o que é música ao vivo. Uma festa c******! Posso estar a ser cruel mas de cada vez que dizia thank you, eu respondia entre dentes: “pede para cagar e sai.”

Eu e os meus primos e os meus irmões sermos muita maus. E estemos fartos desta merda toda!

Os Imagine Dragons são outra loiça, feitos de outro material. Formados há 6 anos, para além de vários EPs, têm no seu disco “Night Visions” um trabalho aclamado em todo o mundo pela sua capacidade melódica e lírica. Servem muitas vezes de banda sonora quando corro e cantam-me aos ouvidos. Temas como “Top of the world”, "radioactive" e “Demons” parece que foram escritos para mim, para ti e todos aqueles que os sintam como seus. Aperfilhar aqui dá muito prazer.


Cantaram o “Song 2” do blur e apresentaram-no como um tema de uma banda que os tinha influenciado muito e ouviram ao crescer. Eu aí meti travão!!!!!

Os blur? que eu ouvi já homem quando rebentou a britpop, que eu vi ao vivo na primeira edição da Zambujeira do Mar e levei um selo de uma gaja alemã que quis disputar comigo a toalha atirada pelo baterista? (Santo murro mesmo em cheio que acabou logo ali a quezília. Nada fiz para responder e arreou.) Esses blur? Gosh! Estou a ficar velho.


Para fechar, os cabeças de cartaz (quem diria quando apareceram imberbes com 15 anos) que desfilaram estilo. Estão no nível muito alto de quem sabe que é muito bom, toca o que tem que tocar e a atitude punk já deu lugar à de crooner. Alex Turner personifica o Johnny Guitar. Cabelo com muito gel penteado para trás e ajeitado com um pente que trazia no casaco preto de cabedal. Muito estilo. O puto já foi. A competência toda está na íntegra aqui(até que os gajos não a descubram e a levem). Como são maravilhosos estes tempos. É desfrutar enquanto dá. NÓS desfrutámos e muito.

Mas eu somei tudo: o cansaço, o já nunca mais poder beber, as horas de pé que já se parecem mais com uma obrigação que um prazer, a diferença de idades dos públicos e disse-lhe: “filha, o pai adorou ter podido vir contigo e tu sabes o quanto investi (não só mas também em termos materiais) para que isto fosse possível mas isto já não é para mim. Um festival, mesmo que seja só por um dia, é pesado. Tu podes vir com as tuas amigas e amigos e o teu pessoal mas… pra mim já custa. É a altura certa para passar o testemunho. Nunca digas nunca mas… há-de ser difícil.

Gostaste?

Adorei!

Eu também. Desta valeu!


quinta-feira, 24 de julho de 2014

A nossa adesão oficial à comunidade EFA - É Fartar Vilanagem!

(ou será que já lá estávamos?)

Ai querem comunidade de países de língua portuguesa? Vou dizer (de memória) de Augusto Gil, a balada da neve. E aì de quem se deixar dormir ou rir...
"Batem leve, levemente;
como quem chama por mim,
Será chuva, será gente,
gente não é certamente e a chuva não bate assim, 
É talvez..."

A notícia diz assim:

Guiné Equatorial já é membro de pleno direito da CPLP
O país terá que abolir a pena de morte e promover o uso do português como língua oficial.

Comentário do vosso tio Sabi: epá… azar do c*****o! Então um gajo para entrar para a comunidade de países da língua portuguesa tem de promover o português como língua oficial?!?! C’a granda merda. Paneleirices, pá! Minhoquices… Tchhhh… Então um país é o único de Africa que tem o castelhano como língua oficial e agora tem de ser portuga a falar? Chatice… Lá que um gajo tenha de falar os idiomas fang e o Pidgin Inglês, ainda vá que não vá. Agora o português?!?!? È que não lembra a ninguém... Na ilha de Ano Bom, onde ainda se usa o chamado Fá d'Ambô, ou seja o Falar de Ano Bom, uma língua crioula de base portuguesa que mantém uma semelhança muito grande com o são-tomense falada nas ilhas vizinhas de São Tomé e Príncipe, ainda vá que não vá mas… é sempre chato. Realmente…





O presidente Teodoro deve pensar: “epá, isto de alinhar nesta cena é capaz de ser uma boa forma de entrar nos grupos dos países civilizados mas há sempre que ter cautelas. Um gajo quer limpar meia dúzia deles e começa a ter aquela maralha dos direitos humanos a chatear a molécula. Que maçada…”

A Guiné Equatorial é pequenina, tem um território pouco maior que o Alentejo, mas é o terceiro maior exportador de petróleo do continente africano! TERCEIRO! Para além disso, a cada cavadela sai dinheiro e aquela cena tem gás natural e outras riquezas escondidas no subsolo que mais parece a gruta do Ali Bábá. Sim, porque os ladrões ali são bem mais que 40 e estão à superfície.


O presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo (que tem um nome lindo, como ele), está no poder há 30 anos. 30 anos. Coisa pouca. Nas últimas eleições, ganhou com mais de 90 por cento dos votos, que é como dizia o Jorge Jasus dos jogos na última temporada: “foi limpinho, limpinho”.

Na descrição que faz do país, a norte-americana CIA diz que as eleições das últimas décadas foram sempre «imperfeitas», o que é a mesma coisa que dizer que aquilo que a Al Qaeda fez às torres gémeas em Nova Iorque, foi uma maldadezinha. Se se fossem pró…

Os pouco mais de meio milhão de habitantes passam muito mal. Têm fome e se reclamam é capaz de lhes sair a taluda que os gajos do regime (armados até aos dentes) limpam almas contrariadas em linchamentos públicos que é um vê se te avias.

Mas… (e há sempre um mas), neste ano a cimeira da CPLP foi em Díli, Timor-Leste. O nosso tio Aníbal chamou o Pedroca e disse-lhe: “Olha lá, rapaz: vamos estar na casa dos nossos primos em Timor e convém não dar barraca. Isto é para passar, não achas?”.
Manda quem pode, cumpre quem deve.


Assim, através de um consenso (!!!!), a Guiné Equatorial foi aceite como um membro de pleno direito, no entanto, terá que abolir a pena de morte. O nosso tio Cavaco assobiou ao Teodoro e disse-lhe: “Olha lá, menino: tu entras com a tua canalha mas tens de te deixar dessas merdas da pena de norte, pá! Olha a tua vida…”

Fonte da delegação brasileira, questionada pela Lusa, afirmou que os Estados-membros da CPLP "decidiram incorporar" a Guiné Equatorial, não tendo havido uma votação, mas "uma formação de uma opinião geral", que envolveu um debate: "As pessoas discutem, colocam os seus problemas, as suas visões".

Comentário do vosso tio Sabi: A democracia é linda.
Um conselho aos políticos: Quando forem às reuniões, levem luvas descartáveis porque podem vir com as mãos cheias de sangue.



Esta decisão foi tomada na sessão restrita da X Cimeira da CPLP, que decorreu em Díli, Timor-Leste, na qual a Guiné Equatorial não participou.
Coisa de nível: Ir lá pra quê? Eles que telefonem.

2 links fundamentais para compreender a complexidade da besta que se segue (a pessoa que tem um mandato de captura internacional em França e um processo por corrupção nos Estados Unidos da América), no clássico Público e o extraordinário Observador, um jornal diferente (como são os jornais hoje) da net:



http://www.publico.pt/mundo/noticia/emitido-mandado-de-detencao-contra-filho-do-presidente-da-guine-equatorial--1554841~

O verdadeiro motivo porque odeio este gajo:


terça-feira, 15 de julho de 2014

A Ti Bia apagou-se.

(Deus, como custa escrever estas coisas que são tão dolorosas... Vim de visitar a Cali na Santa Casa de Misericórdia, onde permanece sem sequer ter dado por falta da irmã e fechei-me no quarto. Liguei o ar condicionado, fui buscar o “meu puf” de estimação ao sótão e sentei-me a escrever. Em silêncio. À minha Cris disse apenas: “vou escrever…”. Ela já me conhece o suficiente para saber que entrei no consultório do meu psicólogo.
Há tempos encontrei o meu amigo Zé Manel Gavancha acompanhado da mulher com quem foi alterar o cartão do cidadão e assim que me viu, abriu a boca e deixou sair a emoção com espanto e em lágrimas. “Zé Manel, não faças isso”, dissemos alguns e ela respondeu, mulher coragem, “deixem-no chorar, deitar cá para fora.” Assim estou eu agora. A deitar cá para fora.

A Ti Bia adorava ler os meus textos. Dizia que ainda havia de ter um computador para os ler. Espero que este tenha ficado bem para ela. É quem interessa.)


Com as florzinhas que lhe levámos no ano passado, no dia de anos.

Morreu a Ti Bia. Morreu o último bastião da família Sobreiro.
A matriarca.
E eu vejo-me assim, aos 41 anos e pelas atuais circunstâncias como sendo o na detentor do ceptro da família. Uma família sem grandes posses, terras ou propriedades, sem títulos ou historial mas uma família rica, com honra, valores e que sempre trepou na vida por si, pelas suas capacidades.
Não esperava por isto. Estava em Lisboa desnoitado, cansadíssimo da jornada de festival de música que já não é para a minha idade, quase 20 horas a pé com apenas 4 horas dormidas quando o telefone toca para me dar a notícia assim a seco, de rompante com a voz do genro e o choro incrédulo da sua filha por trás. Duro. Coisas que nos marcam, que nos fazem subir um degrau. A vida é fodida e não traz um livro de instruções a explicar como é que se faz. Tem de se passar por elas. Felizmente sentei-me no chão da casa de banho para não acordar a Leonor e tentar perceber o que me estavam a dizer. Devo ter estado uma meia hora aparvalhado a olhar para o nada sem a conseguir encaixar. A velocidade com que o nosso cérebro processa os pensamentos nestas situações é estonteante. Tanta coisa e tão rápida… mas um enorme sentimento de culpa. Fui eu, fui eu, fui eu… desejando que tivesse tudo acontecido antes, quando ainda as duas estavam juntas na Beirã, quando eu não tinha sido chamado a intervir pelas circunstâncias da vida. Na praia apercebi-me de que ia com regularidade ao hospital, até que ficou internada; de como o genro Carlos estava sempre na retaguarda a orientar os comprimidos para a duas irmãs; de como a filha servia de ama de companhia à noite, dormindo separada do marido e na casa da tia; e eu sempre disse aquilo que aprendi depois do acidente: uma coisa de cada vez. Quando chegar aí, eu trato. E tratei.

O ideal seria que as coisas continuassem como até aqui. As duas juntas, levando a vida que queriam, continuando a ir para a loja todas as manhãs e tardes (só iam a casa dormir) onde “A Anta” lhes levava as refeições, onde as vizinhas iam passar horas na conversa e em tertúlias à volta do café e do rádio sempre ligado no terço da Renascença, dormindo as duas juntas na casa da Cremilde, vivendo já sem as condições, o asseio e a arrumação que sempre lhes conheci mas… juntas! (e isso era tudo.)



Mas a Maria já não podia mais e se morrer depressa é terrível, sobretudo para quem fica, morrer assim, com a lucidez de sempre e a força dos 20 anos aprisionadas num corpo de 80 já sem força, doente, a definhar e a precisar sempre dos outros… não deve ser muito melhor. Não pode ser muito melhor. Não pode. Num destes dias em que fui vê-la de manhã ao hospital, pediu-me que queria ver a irmã.
“Se queres, eu trago-ta cá”.


“Cali, sabes quem vamos ver? A tua irmã. Sabes como se chama?”
“A minha irmã? Sei. É a Maria”
No carro, no caminho: “E quem vamos ver agora, menina?”
“Oh… Agora… já não me lembro…”
Lá chegados, ficaram as duas em lágrimas, assim que se avistaram. A Maria, de saudade. A visitante, porque reconhecia as feições.
“Quem é Cali?”
“A minha mãe.”




 Na segunda-feira passada fui conhecer a médica que me fez o relatório e me disse que lhe ia dar alta. “Como está, doutora? Mal? É para morrer? Diga-me, eu quero saber o que aí vem.”
“Não. A sua tia está bem. São 86 mas desde que tome o Lasix para colocar os rins a funcionar, não lhe incham as pernas, não sobrecarrega o coração, fica bem. Prova disso é que está normalizada e vai ter alta ainda hoje!”
Eu, inocente e acreditando piamente no à vontade e não pensando na idade já tão avançada, cheguei junto a ela, radiante e disse-lhe: “Maria, ainda não é desta. És rija e vais-te aguentar.”
Ela sorriu.
“Quando fizeres 90, organizo-te uma grande festa de anos. Vou contratar a banda de Castelo de Vide para tocar os parabéns e tudo. Vais ver.”
“Maluco!”
“Não acreditas que sou capaz de fazer isso?!?”
“Ah, maluco… tu és capaz disso e muito mais”.
  
“Como é que te sentes, Ti Bia?”
“Cansada. Custa-me a respirar e as pernas pesam quilos.”
“E consegues dormir?”
“Há noite dá-me uma grande ansiedade. Acordo e fico a pensar. Custa-me não ter força.”
“Mas os teus olhos são tão bonitos, tão espertos, tão lúcidos...”
“A minha cabeça está sempre a pensar. Nunca estou parada. Se eu tivesse 20 anos…”
 “Eu também sou assim. Nunca me sinto só. Gosto de ter o meu espaço e estar sozinho a pensar.”




O dia em que as fui levar à Santa Casa da Misericórdia de Marvão foi dos mais difíceis da minha vida. Ainda bem que há estas casas mas… eu sei que há passos que se dão com convicção e aceitam bem como quando as duas me foram levar de comboio à universidade para gáudio dos meus amigos que as batizaram de pronto como as tias do Vasco Santana. Mas este… A Ti Bia ia contrariada que eu conhecia-a bem. Aceitou mas… Eu sentei-me à sua frente e expliquei-lhe antes de partirmos: “Ti Bia, a ida para este lugar não é por ti. Não és tu que precisas porque ainda tens a lucidez para seguir pelo teu pé. Mas tu és inteligente e compreendes que já não tens força suficiente para tomar conta e tratar da higiene da Cali. Com os amassos de saúde que tens tido ultimamente, já nem quase de ti consegues, quanto mais… Ali podem ter tudo aquilo que me pediste: um quartinho só para as duas, com muita categoria e higiene, acessível para as vossas possibilidades e reformas, com um pessoal especializado a nível técnico para vos apoiar e uma equipa de auxiliares de luxo, queridas e atenciosas. Ti Bia, não é por ti, é por ela, para estarem juntas. Repara que nem sequer aquele estigma que existe quanto aos horários tem fundamento. As horas fixas são para as refeições que são normais, como em nossas casas e à noite podem ficar até querer a ver televisão, por exemplo.




Perguntava-me muitas vezes: “ai filho, o que vai ser disto tudo quando morrermos. Que vai ser desta casa da Cali com tanto livro, tanto bibelot, tanto vestido, tanto sapato…”
“Ti Bia, depois logo se vê. Agora vamos para a Santa Casa e depois pensamos nisso.”

Mas ela não percebeu quando se mudou. A vizinha Manuela confidenciou-me depois que nessa primeira noite pediu-lhe que não a deixasse porque ia morrer.
“Ó Dona Maria, disparate. Então a senhora está aqui tão bem. Já viu? É de não estar habituada. Ande que eu levanto-lhe a caminha para que se sinta melhor.”
“Eu sei que isto é tudo muito bom e a minha irmã ficará bem entregue. Eu posso ir descansada sei que ela irá estar bem cuidada. Mas eu não quero a cama. É nela que vou morrer.”
Não foi nessa noite mas foi na noite seguinte. A equipa médica e a VMER ainda acorreram mas já não estava lá, naquele corpo cansado.
Podem dizer eu “ele há coisas” mas eu digo que os elefantes também pressentem a morte. Se não houver caçadores furtivos ou outra morte súbita, atravessam a selva para morrerem NO lugar. Se os outros animais a pressentem…
Não se ficou na primeira noite, como temeu. Foi na segunda. Ontem vi uma senhora que está lá a dormir, sem se mexer da cama há 18 anos. 18 anos. Não tem uma única ferida. O destino… Sobreviveu a um cancro de pele, suportou a diabetes, a dificuldade em e respirar mas…


Tinha uma relação muito especial com ela. Sempre me senti muito mais próximo da sua irmã Cremilde, na casa de quem fui quase sempre criado enquanto os pais trabalhavam e não havia prés. Mas sempre me senti muito parecido com ela. O meu lado rijo, duro, cerebral, obstinado, dedicado, certeiro. Ela achava-me parecido com o seu pai, o avô Sobreiro. Ainda há dias me disse: “Tu és o avôzinho, Pedro. Adoras ver-nos todos juntos e fazes tudo pela família. O avôzinho também era assim. Quando lhe dava saudades do nosso pessoal da Covilhã, metia-nos a todos no comboio e não descansava enquanto não estávamos todos à mesma mesa.”
Quando eu era estudante, havia sempre uma notinha e um macinho de cigarros. Gostava de me ver bem tratado e com coisas boas. Dizia-me que o meu pai (que foi quase seu filho, pela diferença de idades) também era assim e andava sempre uma estampa em Castelo Branco. Agora que as visitava com muita frequência, todas as semanas diversas vezes, exclamava: “mas hoje com outra toilette?”.
“Ó Ti Bia, temos de vestir diferente todos os dias… Agora é toda a gente assim…”


Ficámos ainda mais próximos depois do acidente. Deixou tudo, a casa, a loja e foi atrás de mim. Visitava-me todos os dias. Deu-me de comer na boca. Assustou-se da primeira vez que eu, sôfrego, comi peixe, cansado de tanto soro e tanta droga. Quis saber dos meus dentes que tinham voado no acidente e afinal já estavam todos no lugar. Mais tortos, com diferente inclinação mas os meus. Acidente que deixou marcas. Insisti depois do hospital: “Ti Bia, estás fraca, anda para minha casa, com a Cris e as miúdas até recuperares.”
“Para a tua casa? Dar trabalho? Deus me livre! Eu e a Cristina já passámos muito juntas (por ti) e não vou ser um peso. “
Não adiantava dizer-lhe o contrário porque já sabia como era. E foi como queria.



Esforcei-me ao máximo para que as minhas filhas bebessem dela e ela adorava isso. Adorava os natais, as páscoas e as festas de anos em minha casa; adorava o asseio, a arrumação e a minha casa toda que elogiava à exaustão. Queria a Cristina como uma filha que não teve.

A Leonor frequentou muito a loja quando ainda funcionava. Adorava os ovos estrelados com salsichas e as batatas fritas em azeite da Ti Bia, almoços que repetiu muitas vezes. Andava a dizer que agora nas férias haveriam de recuperar isso. Depois do choque da notícia, de conseguir andar, estive meia hora deitado na cama com a cabeça a mil à hora. A Leonor dormia ainda extenuada. Tomei banho em silêncio. Fiz a barba. Vesti-me e fui tomar o pequeno-almoço. Subi e acordei-a com um beijo. Tinha consulta e disse-lhe que tinha de se despachar. Desceu para tomar o pequeno almoço. Quando subiu, perguntei-lhe: “Então e essa noite? Dormiste bem? Descansaste? Eu também…
(minutos)
“O dia é que não começou muito bem”, disse.
“Então?”
“O coração da Ti Bia… Não aguentou…”
“A TI BIA MORREU?!?!?” e rompe num choro compulsivo de soluçar que eu tentei compreender enquanto a abraçava porque percebi que nunca tinha perdido ninguém assim tão próximo. Custou a passar, a entrar em si, a encaixar.
Na viajem perguntei-lhe se queria ir ver o corpo e disse-me que preferia não. Eu queria que percebesse que é normal, que é a coisa mais certa que temos todos na vida e que o que estava em câmara ardente é o corpo onde viveu a sua alma. Preferiu manter a imagem dela viva e eu aceitei. Seria como preferisse. A idade pode ainda não ser a suficiente.

Leonor na Beirã com 2 anos. Há 11.


A Alice está como a Cremilde. Ainda não se apercebeu. Quando der pela sua falta há-de saber que foi para o céu, para junto do Jesus. Mas guardou muito da Ti Bia e certamente não se irá esquecer de como iam as duas regar as árvores, das bolachinhas com chocolate da Biá, dos lanchinhos de pão com manteiga com leite e um bocadinho de café, dos geladinhos que comprava para si na carrinha do Xinóni (Family Frost), do antigo expositor de batatas fritas onde afixava todos os desenhinhos que ela fazia e de um quadro grande em papel da festa de despedida do vereador Pedro feito pela Catarina Bucho onde apontava a esferográfica todas as datas em que a íamos visitar.





Sinto um luto cá dentro. Silencioso. Escuro. Que dói e custa a passar. Mas que já começou. Aqui, no blogue.

Que fique em paz. E olhe por nós.

As manhãs que eu adorava passar agora, no Inverno, com sol e muita luz. Todos juntos. Ia sempre que podia.